Orgulho espiritual

Haviam dois primos, ambos cristãos desde a infância. Eles tiveram pouquíssimo contato ao longo da vida já que um morava em São Paulo e o outro no Rio de Janeiro. Mas então, o primo do litoral se mudou para a cidade e eles começaram a passar mais tempo juntos. Os dois se davam muito bem e tinham muita coisa em comum! Inclusive passaram a empreender juntos e se tornaram sócios! Mas quando a convivência aumentou e o primo paulista contou sua história de vida, com tantos erros, isso chocou o outro, que não entendia como ele, sendo cristão, havia caído tão profundamente em pecados considerados tão graves!
O carioca era um homem legalista e caxias, que havia vivido sua vida toda buscando obedecer às regras. De fato, sua vida demonstrava grande santidade, mas seu coração muitas vezes não conseguia acessar a Deus de uma forma tão íntima e sincera… Mesmo sem perceber ou assumir, ele queria conquistar o favor de Deus na força do seu braço e, por isso, também tinha muita dificuldade de lidar com a culpa quando falhava.
O paulista, por sua vez, era mais sujeito à emoção, e se deixou levar por tentações em momentos de dificuldade na vida. Caiu feio, mais de uma vez… Mas também se arrependeu verdadeiramente e buscou coisas mais excelentes. Queria uma vida de comunhão com o Pai e sabia que não era apenas por obedecer regras ou “pisar nos quadrados certos” que teria intimidade com Deus. Ele sabia que a vida não é “preto no branco” e, embora se esforçasse para fazer o que é certo, se preocupava muito mais em conseguir entregar sua vida a Deus e confiar na força dEle, em vez da sua própria.
O paulista explicou ao seu primo, com lágrimas nos olhos, que viveu um período muito difícil e longe de Deus, e isso o levou a coisas abominaveis das quais ele muito se arrependeu. Mas que hoje já se sentia perdoado e muito feliz pela graça de Deus! De fato:
“Se afirmarmos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1 João 1:8-9)
E também:
“Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus, porque, em Cristo Jesus, a lei do Espírito da vida libertou você da lei do pecado e da morte. Porque aquilo que a lei era incapaz de fazer, visto que estava enfraquecida pela carne, Deus o fez, enviando o seu próprio Filho, em semelhança à carne pecaminosa, como oferta pelo pecado. Assim, condenou o pecado na carne, a fim de que os preceitos da lei fossem cumpridos em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito.” (Romanos 8:1-4)
Isso significa que, aos olhos de Deus, ele estava limpo! O passado não define mais a identidade dele (e não importa se ele já conhecia a Cristo ou não quando pecou). Ele é nova criatura (2 Coríntios 5:17)! A graça de Deus é completa e ambos os primos precisam aceitar isso!
Mas o carioca ainda se sentia muito incomodado, e isso estava atrapalhando bastante a nova sociedade dos dois. Na sua cabeça, não entendia como o primo poderia ter ignorado o Espírito Santo e chegado em lugares tão obscuros do pecado… E mais: teria chances de ele ir para esses lugares novamente, agora junto do primo? Ao perceber esse incômodo, o carioca decidiu confrontá-lo com amor quanto a um possível orgulho disfarçado de santidade, na intenção de ajudá-lo a se auto-avaliar. O sentimento falacioso de ser mais valoroso por ter se guardado pode parecer zelo, mas muitas vezes ele esconde um orgulho espiritual. O carioca precisaria discernir se sua dor com o primo vem de uma expectativa frustrada ou de um falso senso de superioridade moral.
Ouvir isso deixou o primo muito chateado. Como estavam questionando a sua fé? Logo ele que seguia as leis tão à risca! Mas espere, “não é pela obediência que fui aceito por Deus”, ele se lembrou… E então passou a meditar no versículo:
“Pois pela graça vocês são salvos, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Porque fomos feitos por Deus, criados em Cristo Jesus, para boas obras, as quais Deus preparou previamente para que andássemos nelas.” (Efésios 2:8-10)
Chegando em casa, o carioca orou e se lembrou de mais uma passagem, dessa vez uma fala de Jesus:
“A alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou esta parábola: Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu, e o outro era publicano. O fariseu, em pé, orava no íntimo: “Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens — ladrões, injustos, adúlteros — nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho”. ― O publicano, porém, ficou a distância. Ele nem sequer ousava olhar para o céu, mas, batendo no peito, dizia: “Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador!”. ― Eu digo que este homem, não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois todo aquele que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha será exaltado. (Lucas 18:9-14)
Foi o pecador arrependido que saiu justificado! “Puxa, será que sou um fariseu?” Mas guardar-se é um fruto de obediência, não? Sim! Só que isso não deve se tornar um pedestal de autovalorização. Ele foi fiel nessa área, excelente, mas isso não o faz mais digno de amor ou de um “prêmio”. Lembrou-se também da parábola do Filho Pródigo (em Lucas 15:11-32), e como aquele que havia errado tanto foi recebido com tamanha festividade pelo fato de ter se arrependido e voltado. Enquanto o irmão mais velho, que permaneceu com o pai, se irou em inveja… O filho mais novo pecou mas se arrependeu, o mais velho também pecou mas se perdeu em seu orgulho. Ele ficou a noite toda meditando nessas coisas…
No dia seguinte, foi conversar com seu primo. Ele entendeu que o passado dele precisava ser parte do seu testemunho, mas não de uma “dívida” com ninguem! Se ele reconhecia seu primo como um irmão em Cristo, precisava escolher amar o homem real e redimido que ele é hoje, não a idealização de alguém que ele achava que o primo deveria ser. Amar é assumir a escolha de ver como Deus vê:
“Sobretudo, amem sinceramente uns aos outros, porque o amor perdoa uma multidão de pecados.” (1 Pedro 4:8)
Agora entendendo melhor o que é graça, o carioca pediu perdão para seu primo e falout: “Quando eu digo ‘Paulo’, você pensa no apóstolo e grande escritor do novo testamento, não no perseguidor da igreja primitiva, certo? O produto da graça apaga as marcas do pecado. Eu não sou mais digno do que você, me perdoe por desconfiar do seu caráter e do seu arrependimento verdadeiro…” O primo o perdoou e o abraçou com muita alegria, pois havia ganhado seu irmão.
Essa história também me lembra da fala de Paulo quando disse para não confiarmos na “circuncisão”, isto é, na mera obediência à lei:
“[…] Se alguém pensa que tem razões para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, hebreu dos hebreus; quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. Contudo, o que para mim era lucro passei a considerar como perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, o meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo e ser encontrado nele, não tendo a minha própria justiça que procede da lei, mas a que vem por meio da fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé.” (Filipenses 3:4-9)
Ele considerou tudo perda pelo tamanho da graça que há em Cristo! Se você se orgulha da SUA prática, reveja seu coração! Nada no cristianismo é sobre o que você faz! Tudo é sobre a graça imerecida de DEUS sobre você. Jesus chama aqueles que se reconhecem como pobres de espírito (porque sabem que, por nós mesmo, somos incapazes de sermos bons). Ele chama os que sabem que são pecadores, não os que se acham justos. São os doentes que precisam de médico. Lembre-se disso e reflita…
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